sábado, 5 de maio de 2012

História de Kim e Krickitt Carpenter vira filme


Entrevista de Kim Carpenter para a Revista Isto é Independente, de número 2217.

"Minha mulher não sabia quem eu era"
O americano, cuja história virou o filme "Para Sempre", que estreia no Brasil em junho, narra o drama de ver sua esposa perder a memória e rejeitá-lo, e conta como a reconquistou
por Paula Rocha

RECOMEÇO 
Três anos depois do acidente eles se casaram novamente:
"Refizemos nossos votos", diz ele
Em novembro de 1993, os americanos Kim e Krickitt Carpenter, com 27 e 23 anos, respectivamente, estavam casados havia apenas dez semanas e faziam sua primeira viagem de carro quando um acidente envolvendo um caminhão, uma camionete e o veículo em que trafegavam mudou suas vidas para sempre. Ferida gravemente na cabeça, Krickitt esteve à beira da morte e permaneceu em coma por várias semanas. Quando finalmente despertou, parte de sua memória havia sido apagada e ela não guardava nenhuma lembrança do marido, Kim. Disposto a honrar os votos de fidelidade e lealdade feitos em seu casamento, ele se manteve ao lado da mulher durante todo o processo de recuperação e teve de reconquistá-la aos poucos, até que o amor entre os dois voltasse a florescer, já que Krickitt nunca mais recuperaria as lembranças do tempo em que viveram juntos. A história de superação de Kim e Krickitt Carpenter foi contada no livro “Para Sempre” (Editora Novo Conceito) e no próximo mês chega aqui na forma de filme homônimo. Sucesso de bilheteria nos EUA, é estrelado pelos atores Rachel McAdams e Channing Tatum. Em entrevista à ISTOÉ, Kim, hoje com 46 anos, ainda casado com Krickitt, 42, e pai de dois filhos, conta como eles passaram por essa situação-limite.

ISTOÉ -
Como recebeu a notícia de que sua mulher havia perdido a memória?
KIM CARPENTER -
Logo após o acidente, quando eu ainda estava no hospital aguardando notícias sobre o estado de Krickitt, um enfermeiro veio até mim e me entregou um envelope onde estavam os pertences da minha esposa. Pude ver um relógio que eu havia dado de presente para ela e também sua aliança de casamento. Aquilo me deixou aterrorizado, mas o enfermeiro disse apenas: “Lamento muito.” Eu achei que minha mulher estava morta. Os médicos depois disseram que ela tinha só 1% de chance de sobreviver. O estado de saúde dela era realmente grave. E isso foi só o começo.
ISTOÉ -
Que tipo de dano cerebral ela sofreu?
KIM CARPENTER -
Quando nosso carro capotou, Krickitt bateu a cabeça no teto e no volante, o que levou a um afundamento em seu crânio. Depois fui informado pelos médicos de que o lobo frontal de seu cérebro estava lesionado, e essa é justamente a parte que controla a personalidade, as emoções e o processo de tomada de decisões. Seu lobo parietal também foi afetado, alterando sua capacidade matemática e sua compreensão de linguagem. Mas a pior consequência do acidente foi a perda de sua memória. Krickitt sofreu dois tipos de amnésia, uma temporária, comum após acidentes traumáticos, e outra retrógrada. Minha esposa simplesmente não se lembrava de nada do que havia acontecido um ano e meio antes do acidente. Exatamente o tempo em que nos conhecemos, namoramos, noivamos, nos casamos e passamos a viver juntos. Ela não sabia, não fazia ideia de quem eu era.
ISTOÉ -
Ela recuperou essas memórias depois?
 
KIM CARPENTER -
Não. Tentei tudo para ajudá-la a se lembrar de mim ou da nossa vida de casados, mas não adiantou. Espalhei fotos de nosso casamento e de nossa lua de mel pela casa, fiz com que ela assistisse ao vídeo da cerimônia do nosso casamento várias vezes, mas ela simplesmente não se lembra de nada. Ela tinha alguns flashbacks de lugares onde fomos, como a praia onde passamos nossa lua de mel, no Havaí, por exemplo, mas eu nunca estava nessas lembranças e elas não faziam nenhum sentido para Krickitt. E até hoje é como se ela nunca as tivesse vivido.
ISTOÉ -
É verdade que ela ficou mais agressiva e no começo não demonstrava nenhum interesse romântico no sr.?
KIM CARPENTER -
Essa foi a parte mais difícil. Nos primeiros cinco meses após o acidente, ela se comportava como uma criança ou como uma adolescente rebelde. Não suportava receber ordens e desistia da terapia de recuperação facilmente, porque ficava entediada. Os médicos me explicaram que esse comportamento era comum entre pacientes com traumas cerebrais parecidos com o dela. Mas o pior era aguentar sua rejeição a mim. Muitas vezes eu pensava que ela poderia nunca mais me amar ou nunca mais querer ficar comigo, porque ela não demonstrava nenhum sentimento por mim. Aliás, demonstrava apenas raiva. Ela não conseguia entender quem eu era e por que estava ao lado dela em todos os momentos. Mas, aos poucos, fomos estabelecendo vínculos e, com a ajuda de um psicólogo, consegui vislumbrar uma forma de voltarmos à nossa vida de antes.




ISTOÉ -
Como foi isso?
KIM CARPENTER -
Tive que reconquistar a minha própria mulher. Isso parecia um absurdo para mim no começo, mas depois percebi que fazia sentido. Krickitt não se lembrava de nosso namoro, nem do porquê tinha se apaixonado por mim no passado. Ela simplesmente acordou um dia e se viu casada com um homem que não conhecia. Então tivemos que recomeçar do zero. Saímos para jantar, para ir ao cinema e jogar boliche, enfim, para fazer programas que namorados costumam fazer. E isso, para minha surpresa, foi construindo uma ponte sólida entre nós. Culminou com nossa segunda cerimônia de casamento, em maio de 1996, quase três anos após o acidente. Krickitt se vestiu de branco novamente, eu a esperei no altar e, na frente de nossos amigos e família, refizemos nossos votos de fidelidade e lealdade.
ISTOÉ -
Chegou a pensar em desistir?
KIM CARPENTER -
Sim, pensei. Mas no mesmo instante eu me lembrava dos votos que havia feito a Krickitt em nossa primeira cerimônia de casamento. Jurei amá-la, respeitá-la, defendê-la e protegê-la nos tempos bons e ruins, e esses definitivamente eram tempos ruins. Na sociedade em que vivemos as pessoas quebram promessas a toda hora. Prometem amar o companheiro “até que a morte os separe”, mas querem dizer a morte do casamento, e não da pessoa com quem estão casando. Isso para mim não era uma possibilidade. Eu nunca pediria o divórcio. E muitas pessoas me aconselharam a fazer isso, acredite.
ISTOÉ -
Como é a vida de vocês hoje?
KIM CARPENTER -
Vivemos bem, mas temos os mesmos problemas de qualquer casal. Não somos um “supercasal”, não temos superpoderes, nem uma relação perfeita. Temos nossos altos e baixos, como todo mundo. Mas o acidente trouxe algo de bom, que foi a fé em nosso relacionamento e a maturidade necessária para valorizar nossa união acima de tudo. Hoje temos dois filhos, Danny, 12 anos, e LeeAnn, 9. Krickitt costuma dizer que eles são o pote de ouro depois do arco-íris. Tudo o que passamos valeu a pena para chegarmos até aqui. Vivemos uma vida normal e temos uma família cheia de amor, com filhos maravilhosos, que conhecem nossa história e também sabem dar valor ao que construímos. Aliás, na minha opinião, Krickitt mudou depois da maternidade, e hoje está mais bonita do que nunca.
ISTOÉ -
O sr. pensa sobre como seria a vida de vocês se nunca tivessem passado por essa experiência?
 
KIM CARPENTER -
No começo, sim. Hoje, não mais. Por mais que tenha sido angustiante e devastador passar por tudo isso, somos gratos ao que aconteceu. Nós acreditamos que tudo acontece por uma razão. A experiência pela qual passamos juntos fez nossa relação ser o que ela é hoje. Já me perguntaram se eu faria algo diferente, caso pudesse voltar ao passado. E eu respondo com toda a certeza que não. Não tenho arrependimentos. E passaria por tudo de novo, com a fé de que algo de bom estava guardado para nós no futuro. 
ISTOÉ -
Sua filha LeeAnn sofreu um acidente quando era bebê e também teve danos cerebrais. Como isso aconteceu? 

KIM CARPENTER -
Isso conseguiu me deixar mais aterrorizado do que o acidente com Krickitt, porque dessa vez a culpa era toda minha e de minha esposa. Um dia, nos descuidamos por um segundo de LeeAnn e ela caiu da cadeirinha onde estava sentada. Isso foi em agosto de 2003. Nossa bebê tinha apenas dois meses de vida e estava com um sangramento no cérebro. Eu não suportava a ideia de ter de passar por tudo aquilo novamente, hospitais, exames, internação, e isso na mesma cidade onde Krickitt havia ficado internada. Enquanto aguardava notícias sobre o estado de saúde de LeeAnn, só conseguia sentir culpa, angústia e medo. Foi um pesadelo. Cinco horas depois, no entanto, os médicos avisaram que o sangramento havia parado e ela ficaria boa. Hoje, LeeAnn é uma menina doce e linda, muito parecida com a mãe. E, felizmente, não teve nenhuma sequela.  
ISTOÉ -
A que credita o fato de ter se mantido tão confiante e forte durante todo o processo de recuperação de Krickitt?  
KIM CARPENTER -
Sem dúvida, eu não teria conseguido isso se não fosse pelo apoio de nossas famílias e amigos. Recebemos doações de pessoas que não tinham condição nem de arcar com as próprias despesas. Também ajudou o fato de que eu sempre havia trabalhado como treinador de um time de beisebol, o que fortaleceu em mim qualidades como disciplina, perseverança e resiliência. E Krickitt também se favoreceu de sua boa condição física. Ela fez ginástica olímpica desde criança, e sem dúvida só retomou seus movimentos com perfeição porque seu corpo já estava tonificado. Outro fator importante foi a fé que eu e Krickitt compartilhamos. Apesar de não se lembrar de mim, a fé de Krickitt em Deus permanecia inabalada. Ela se lembrava de seus encontros na igreja, de estudar a “Bíblia”. E semanas após sair do coma já estava escrevendo em seu diário, onde anotava suas orações. Acreditamos que o que aconteceu conosco foi um milagre.
ISTOÉ -
Qual é a maior lição que o sr. tirou dessa experiência? 
KIM CARPENTER -
Creio que foi entender que o amor verdadeiro é capaz de transpor qualquer obstáculo. É como se tivéssemos passado por uma batalha e vencido juntos. Depois de tudo o que passou, ainda temos um ao outro e tivemos que aprender a nos amar novamente. Krickitt teve que se apaixonar por mim uma segunda vez e eu tive que aprender a amar e a admirar uma mulher diferente da que tinha conhecido e por quem havia me apaixonado antes. Mas isso é algo que todos os casais deveriam fazer. Todos nós mudamos. Hoje não sou mais a mesma pessoa de dez anos atrás. Acho que o mais gratificante para nós é sermos um exemplo para os casais e para as pessoas em geral que estão passando por dificuldades. Se eu pudesse deixar uma mensagem a todos, diria o seguinte: Todos nós passamos por dificuldades na vida, mas juntos podemos superá-las. Basta acreditar, se comprometer e fazer o que é certo. Sempre. 

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